Tecnologia ocupa uma posição intermediária entre os motores a combustão e as baterias, mas custo ainda é alto
Texto: Valério M. Marochi
Fotos: Electrive/ Bloomberg/ Nissan
Dentre as tecnologias em potencial para resolver problemas ambientais e substituir sistemas mais poluentes estão as células a combustível, que ocupam posição entre os motores a combustão e as baterias, reunindo qualidades dos dois dispositivos, além da versatilidade na aplicação e no uso de diversos combustíveis diferentes. Ainda caras, devido à baixa escala de produção e complexas do ponto de vista de sistema, continuam sendo promissoras, e muitas pesquisas apontam que, assim como o século XIX foi o século da mecânica e o século XX foi o da eletrônica, é possível que o século XXI seja o despertar das células a combustível.
No passado
Tendo sido descobertas em meados do século XIX, as células a combustível foram esquecidas por quase cem anos, voltando aos laboratórios em meados do século XX, onde cumpriram papel importante em projetos ousados de viagens espaciais, suprindo demandas impossíveis de serem atendidas por outras tecnologias da época, e atingindo patamares de confiabilidade impressionantes. As células a combustível fazem parte da família das pilhas e baterias, e são dispositivos que convertem energia química diretamente em eletricidade. São categorizadas como células voltaicas não descartáveis, pois podem ser utilizadas após a descarga, e fornecem energia de modo contínuo através do reabastecimento dos reagentes químicos necessários ao processo, os combustíveis.
Em termos construtivos, células a combustível são constituídas pelas três estruturas básicas encontradas em pilhas: catodo, anodo e eletrólito. Este último determina que tipo de combustível será utilizado na célula e pode ser sólido ou líquido. Basicamente, uma célula a combustível converte substâncias químicas que contém hidrogênio – combustíveis líquidos e gasosos – em eletricidade e calor através da reação com o oxigênio. Esta reação, além da energia, produz como subproduto o vapor d’água. Porém, se forem utilizados hidrocarbonetos ou álcoois como combustível, também há a emissão de dióxido de carbono, em níveis muito inferiores aos dos motores a combustão. As células podem operar com diversos tipos de combustíveis, dependendo do tipo de tecnologia, incluindo metanol e etanol.
No presente
O desenvolvimento de sistemas de células para aplicação automotiva enfrenta desafios como a necessidade de compactação volumétrica, operação a baixas temperaturas, demanda por infraestrutura de reabastecimento, baixo custo de aquisição e manutenção dos sistemas. Sendo assim, a tecnologia que mais se adequa aos veículos é a de célula a combustível de polímero sólido (SPFC), pois opera em temperaturas baixas, é o tipo mais simples de célula a combustível e um dos mais seguros. Embora seja o tipo mais utilizado atualmente, precisa de hidrogênio puro como combustível, demandando uma infraestrutura de produção e distribuição cara e que desprende muita energia na processamento e armazenamento de hidrogênio, além da presença de tanques de alta pressão no veículo, parecidos com os do sistema de GNV.
Outra possibilidade de aplicação veicular em teste são as células de óxido sólido (SOFC) com etanol direto. Em agosto de 2016 a Nissan revelou o N200 SOFC, um veículo protótipo rodando no Brasil com esse tipo de célula. O país foi escolhido devido a rede de abastecimento de etanol já instalada. Segundo a Nissan, o protótipo possui tanque de 30 litros e atinge a autonomia de 600 km com um abastecimento (em média 25 km/L). Esse resultado, segundo a montadora, representa um custo médio de R$ 0,10/km, quase um terço do custo de um motor a combustão interna. Em termos de emissões, o SOFC produz apenas vapor d’água e carbono neutro, não nocivo na atmosfera.
E o futuro?
Dentre as vantagens das células, podem-se citar os baixos índices de emissões poluentes, alta eficiência energética e confiabilidade, viabilizando a sua aplicação em sistemas móveis, como veículos e usinas itinerantes. Por outro lado, pesam na balança os altos custos na obtenção de hidrogênio, a necessidade de um certo grau de pureza nos combustíveis a serem utilizados e a baixa resistência do sistema a temperaturas de congelamento. Também é válido notar que a possibilidade de utilizar combustíveis e sistemas de distribuição já existentes, como o etanol, faz com que, em determinados cenários, a tecnologia de células seja mais atrativa do ponto de vista da viabilidade de implantação do que sistemas puramente elétricos. Como exemplo disso, pode-se citar a carência de infraestrutura para eletromobilidade no Brasil, onde seria mais viável a adoção de tecnologia de células a combustível que utilize etanol como fonte de energia, para a qual a infraestrutura já está pronta.
Finalmente, para além das vantagens e desvantagens das células a combustível, o avanço e a adesão de tais sistemas é uma questão de tempo e investimento, pois ocupam uma lacuna tecnológica específica onde outros dispositivos não operam, e possibilitam a criação de soluções diretamente ligadas aos novos conceitos de geração e distribuição de energia, como sustentabilidade, baixo custo relativo e confiabilidade.