Em caso de acidentes, podemos considerar que veículos eletrificados são realmente seguros?

Texto: Valério M. Marochi

Foto: Volvo/Divulgação

Quando o assunto é eletrificação veicular, um dos temas que mais causa dúvidas e está cercado de receio é a segurança, tanto para usuários quanto para reparadores e socorristas, afinal, toda nova tecnologia sempre causa estranheza, e requer um período de aprendizado e adaptação técnica e cultural. Muito se fala das ‘altas tensões’ presentes nos veículos híbridos e elétricos, dos riscos de incêndio e explosão das baterias, da possibilidade de choques elétricos letais durante a manutenção, da liberação de gases tóxicos e etc. Calma, não se assuste! Nesta série de três artigos, vamos esclarecer alguns destes assuntos, tratando respectivamente, do ponto de vista do usuário dos veículos elétricos, do reparador e do socorrista.

Segurança de dentro para fora

Antes de abordar a segurança de veículos elétricos, é importante esclarecer que os sistemas de tração veicular ditos de ‘alta tensão’, na verdade, são percorridos por tensões que variam entre 48 e 700 V dependendo do veículo, o que segundo as normas de segurança em eletricidade ainda é considerado baixa tensão. O termo ‘alta tensão’ é usado para diferenciação do sistema de alimentação auxiliar de extra baixa tensão (12 ou 24 V) e também para chamar atenção quanto aos procedimentos de segurança necessários no manuseio de tais sistemas.

Do ponto de vista do motorista ou dos passageiros, os veículos híbridos e elétricos apresentam o mesmo nível de segurança, em determinados modelos até maior, que de um veículo ‘convencional’. São testados quanto a impactos (crash test), exposição à altas temperaturas, imersão, avarias e condições não-ideais de operação do sistema de propulsão, sobrecargas e falhas no sistema de armazenamento de energia, dentre outros. No quesito contaminação, a maioria dos componentes de eletrônica de potência, alimentados por alta tensão, possuem elevado grau de proteção IP contra entrada de partículas sólidas e líquidos (em geral IP 67 e 68, similar aos smartphones que batem foto embaixo d’água), e as estruturas do chassi são projetadas para absorver impactos e preservar regiões importantes, como a da bateria e do habitáculo. Em caso de imersão ou capotamento, ao contrário do que muitos pensam, o veículo elétrico não apresenta riscos adicionais aos passageiros (não, você não será eletrocutado em uma enchente!), pois para cada condição adversa, existem estruturas e sistemas de proteção presentes no próprio veículo, a fim de garantir a segurança dos ocupantes e também das pessoas ao redor.

Sempre alerta!

Para assegurar que um veículo elétrico seja tão seguro quanto um carro convencional, além dos sistemas já conhecidos como airbags, estão presentes alguns dispositivos de monitoramento ativo que garantem a segurança em tempo real dos sistemas elétricos e, principalmente, dos ocupantes. Dentre estes sistemas figuram o BMS, a linha piloto (ou interlock system) e o sistema de desconexão das baterias de tração.

O BMS (Battery Management System, Sistema de Gerenciamento da Bateria) é o controlador responsável por garantir os processos de carga e descarga da bateria de tração mantendo-a em condições seguras de operação, sendo um item imprescindível e de altíssimo grau de confiabilidade nos veículos elétricos. Dentre as condições críticas que o BMS monitora está a temperatura dos packs (conjuntos de células) da bateria, que em geral deve ser mantida sempre abaixo de 65° C, a fim de evitar superaquecimentos, incêndios e até mesmo explosões.

A linha piloto, como o próprio nome sugere, é uma linha que interliga os conectores de alimentação de alta tensão do sistema de propulsão, que sai e retorna para o BMS, passando por todos os conectores. Através dela é emitido um sinal pulsado de monitoramento da integridade física das linhas vivas de alta tensão a fim de que, caso algum conector seja aberto, danificado ou tenha seu contato mecânico comprometido e a linha piloto seja interrompida, este sinal seja interrompido também. O BMS então detecta a ausência do sinal e imediatamente comanda o sistema de desconexão da bateria de tração, desenergizando o sistema de propulsão por segurança.

O sistema de desconexão da bateria de tração por sua vez, conta com fusíveis de proteção, resistores e relés de bloqueio dos terminais da bateria e, em alguns casos, sensores de resistência dos cabos que detectam o esmagamento dos mesmos. É comandado pelo VCU (Vehicle Control Unit, Unidade de Controle do Veículo)) e também pelo BMS, e realiza o corte da alimentação de alta tensão, como se fosse um disjuntor residencial, isolando a fonte de energia (bateria de tração) dos demais elementos do circuito, evitando assim choques elétricos ou mesmo incêndios causados por arcos voltaicos. Sua atuação ocorre em condições como: desligamento do veículo, detecção de esmagamento ou rompimento de cabos, abertura de conectores de alta tensão, imersão e iminência de colisão.

Há muito para tratar quando o assunto é segurança, e se quiser ficar por dentro, não perca os próximos artigos, onde trataremos da segurança de fora para dentro: quais são os riscos relacionados à manutenção? O que muda numa oficina? E quanto ao resgate em acidentes? Como os bombeiros combatem um incêndio de veículo elétrico?